terça-feira, 11 de maio de 2010

Sete soluções contra o crime


1 - DAR OPÇÕES DE LAZER E PROFISSÃO AOS JOVENS POBRES

Uma crença costuma influenciar as políticas de segurança pública no Brasil: é a de que a criminalidade é causada pela pobreza e pelo desemprego. Decorre daí a impressão de que nada se pode fazer contra o crime até que se consiga distribuir melhor a renda, acabar com a miséria e gerar empregos. É a desculpa ideal para não fazer nada. A adoção de políticas sociais em áreas pobres funciona não porque acaba com a pobreza, mas porque diminui as oportunidades de ocorrerem crimes. A criminalidade é realmente maior nas áreas pobres das grandes cidades. Em Belo Horizonte, por exemplo, 36% dos assassinatos acontecem em seis favelas, que ocupam apenas 4% da área da capital mineira. Isso ocorre não porque a pobreza induz ao crime, mas, sobretudo, porque nessas áreas a presença do Estado é quase inexistente. "Em ambientes degradados, onde não há nenhum tipo de assistência ou controle por parte do Estado, a violência prolifera com facilidade", diz o cientista político Cláudio Beato Filho, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais.
Três experiências bem-sucedidas para a redução da criminalidade, uma em Minas Gerais e duas em São Paulo, sinalizam um caminho para reduzir a criminalidade. Em 2002, na favela Morro das Pedras, a mais violenta de Belo Horizonte, o número de homicídios caiu pela metade em apenas cinco meses depois que o governo do estado usou uma escola do bairro para oferecer oficinas profissionalizantes aos jovens. Efeito semelhante foi obtido em São José dos Campos, a 100 quilômetros de São Paulo, com uma fundação municipal que, desde 1987, mantém cursos profissionalizantes para crianças e adolescentes de 7 a 18 anos em bairros pobres. Ali se formam mecânicos, padeiros, secretárias e eletricistas. O objetivo inicial era apenas educacional, mas logo se tornaram evidentes os reflexos na queda geral de criminalidade na cidade.
Desde 1999, quando a prefeitura dobrou o número de adolescentes atendidos pelos cursos e concentrou os esforços da guarda municipal nas áreas pobres da cidade, o número de roubos e furtos de veículos caiu 16% e o índice de homicídios diminuiu de 48 para 24 por 100.000 habitantes.
Na capital paulista, desde 2003 as escolas de periferia permanecem abertas nos fins de semana para oferecer aos moradores atividades esportivas e cursos. O número de furtos nos arredores dessas escolas caiu 38% e as ocorrências envolvendo armas de fogo diminuíram 81%. Isso mesmo: 81%. Que tal convocar um referendo com a seguinte pergunta: "As escolas públicas de todos os níveis e os quartéis das Forças Armadas deveriam abrir suas instalações nos fins de semana e proporcionar atividades esportivas às crianças e adolescentes carentes?". Abrir escolas nos fins de semana e oferecer cursos profissionalizantes reduz a criminalidade porque os adolescentes ficam menos tempo nas ruas e, com isso, se tornam menos vulneráveis à influência de outros jovens já envolvidos com a criminalidade. "Como no Brasil os alunos permanecem pouco tempo em sala de aula, as crianças e os adolescentes das áreas mais pobres passam pelo menos metade do dia sem ter o que fazer", diz João Trajano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

2 - PRENDER O CRIMINOSO E DEIXÁ-LO PRESO

Existem dois fatores que levam o bandido a acreditar que o crime compensa no Brasil. Um deles é achar que nunca será pego. Em média, a polícia brasileira desvenda apenas 3% dos casos de homicídio. O outro é a certeza de que, se for para a cadeia, ele não ficará por lá muito tempo. A pena máxima para assassinos é de trinta anos de reclusão, mas apenas um em cada dez condenados cumpre até o fim a sentença determinada pelo juiz. A Lei de Execução Penal, de 1984, prevê várias formas de abreviar a sentença. Ao completar um sexto da pena, o preso pode ser transferido para o sistema de prisão semi-aberto e, depois de mais um sexto, para o regime aberto. A exceção são os crimes hediondos – estupro, seqüestro, tráfico de drogas e homicídio qualificado –, que exigem que o condenado cumpra pelo menos dois terços da pena em regime fechado. "A lei brasileira é leniente com os homicidas", diz o sociólogo Gláucio Soares, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. "Trinta anos, ou até menos, para quem tira a vida de alguém é pouco", comenta Soares, especialista no estudo de homicídios no Brasil. A filosofia que predominou na legislação brasileira foi a de que os anos de cadeia não ajudam em nada a reintegração do preso na sociedade. A experiência de outros países mostra que penas severas são eficientes para dissuadir os potenciais criminosos de agir. Em 1982, o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, aprovou condenações mais longas para homicídios, estupros, assaltos a mão armada e roubos a residências e lojas. Em três anos, a criminalidade no Estado caiu 8%. Sete anos depois, a queda chegou a 20%. Diz o criminalista Antonio Scarance Fernandes, professor de processo penal da Universidade de São Paulo: "O sistema penal brasileiro não gera credibilidade. O bandido adquire a certeza da própria impunidade e se sente estimulado a continuar praticando crimes".

3 - FECHAR OS BARES MAIS CEDO E FORMAR POLÍCIAS COMUNITÁRIAS

Uma pesquisa feita pela prefeitura de Diadema, na Grande São Paulo, em 2002, mostrou que 60% dos homicídios da cidade aconteciam a 100 metros de um bar. Esses locais, depois de uma certa hora, viravam focos de bebedeiras, brigas por motivos fúteis e tráfico de drogas. No mesmo ano, foi instituída a lei seca na cidade, que limita o horário de funcionamento dos 4.800 bares do município das 6 horas da manhã às 11 da noite – com exceção de 27 estabelecimentos que ficam em áreas de baixa criminalidade. Resultado: a cidade, que em 1999 era a mais violenta do Brasil, conseguiu reduzir o número de homicídios em 68% em cinco anos. O número de casos de ferimentos atendidos nos prontos-socorros caiu na mesma proporção. "Depois das 11 horas da noite eu só tinha cliente que não pagava o que bebia e usava o bar para planejar assalto", diz Inácio Pessoa de Lima, de 44 anos, dono de bar. "Eu mesmo fui assaltado cinco vezes, o que nunca mais aconteceu depois da lei seca." Para garantir que os bares fechem no horário estabelecido, uma equipe de fiscais da prefeitura e policiais, em quatro carros, percorre 70 quilômetros toda noite. Com o objetivo de evitar que os fiscais sejam corrompidos, o roteiro e a equipe mudam diariamente. Além do fechamento dos bares, a prefeitura investiu no policiamento comunitário. Dos 220 guardas municipais da cidade, hoje 80% têm curso superior. Parte deles circula pelos bairros de bicicleta ou a pé. Sua função é inibir infrações menores, como vandalismo e violência doméstica, permitindo que a Polícia Militar tenha mais tempo para se dedicar aos crimes mais graves. "Muita gente do meu partido, o PT, acha que os projetos sociais, sozinhos, reduzem a criminalidade, o que não é verdade. É preciso também colocar nas ruas policiais preparados", diz o prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior, que implantou a lei seca. As duas iniciativas, a lei seca e a formação de uma guarda municipal mais atuante, foram imitadas em outros municípios da Grande São Paulo. A Secretaria de Segurança do estado estima que, juntos, quatro dos municípios que adotaram o mesmo pacote de segurança – Diadema, Osasco, Embu e Mauá – conseguiram evitar 750 assassinatos entre 2001 e 2003. Há sete meses, a guarda municipal de Diadema instalou um sistema com 28 câmeras de segurança, que faz o monitoramento nas ruas dos bairros mais violentos. "A situação melhorou muito de alguns anos para cá", diz a estudante Carolina de Lima Silva, de 14 anos, de Diadema. Ela mora na Favela Naval, a 50 metros da esquina onde, em 1997, o soldado da Polícia Militar Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, foi filmado matando um morador. Diz Carolina: "Antes, às vezes eu não podia ir à escola de manhã por causas dos tiroteios na porta da minha casa. Isso acabou".

4 - ACABAR COM A CORRUPÇÃO POLICIAL PARA EVITAR QUE AS ARMAS APREENDIDAS CHEGUEM AOS BANDIDOS

Mais de 10.000 policiais foram denunciados por algum tipo de crime ou má conduta no estado de São Paulo nos últimos cinco anos, o que representa quase 10% do efetivo. No Rio de Janeiro, no ano passado, um em cada quatro policiais militares foi acusado de cometer delitos que vão desde abuso de autoridade até homicídios e seqüestros. A desonestidade e o excesso de violência de alguns agentes corroem a confiança da população naqueles que deveriam garantir sua segurança e dificultam o combate ao crime. "A corrupção destrói os alicerces da polícia", diz o coronel José Vicente da Silva, especialista em segurança pública. "Quando os agentes se vendem aos bandidos, fica quase impossível colocar os chefes das organizações criminosas na cadeia." Em um sistema corrupto, as armas apreendidas logo voltam para as mãos da bandidagem, drogas e dinheiro somem dos depósitos da polícia e presos escapam sem que ninguém possa, ou queira, dizer como. Entre as medidas necessárias para resolver esse problema estão o fortalecimento das corregedorias e ouvidorias – responsáveis por receber e investigar as denúncias contra os policiais – e o aumento do rigor na punição dos infratores. Um exemplo de método eficiente para combater a corrupção é a estratégia adotada pela polícia de Nova York na década de 90, como parte do pacote de tolerância zero que reduziu pela metade os homicídios na cidade. Lá, a própria corporação realiza testes de honestidade, com a ajuda de agentes disfarçados de criminosos e cidadãos comuns. Ou seja, eles induzem os agentes a exigir propina. A reação desses policiais, que obviamente não sabem que estão sendo avaliados, é registrada com câmeras escondidas e serve como prova irrefutável da desonestidade. No Brasil, a expulsão de um policial corrupto é dificultada pela legislação que protege o emprego do funcionário público. O espírito corporativo também acaba por favorecer o mau policial.

5 - APARELHAR E TREINAR A POLÍCIA

A polícia brasileira é uma das mais ineficientes do mundo. Nada menos que 97% dos casos de homicídio ficam sem solução no país, contra 30% nos Estados Unidos e no Japão. A incompetência policial aumenta a sensação de impunidade dos bandidos. Uma das razões do fraco desempenho da polícia brasileira são falhas no recolhimento das provas deixadas na cena do crime. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos a polícia utiliza recursos como análises de DNA e impressões digitais para reunir evidências materiais irrefutáveis que indiquem a autoria do crime, a base do método de investigação da nossa polícia são os interrogatórios de suspeitos e testemunhas. Melhorar esse quadro exigiria um investimento maior no treinamento de investigadores e peritos. Outra medida seria a instalação de bancos de dados para mapear os crimes e reunir informações sobre os bandidos. São Paulo é um exemplo de como isso dá bons resultados. Desde que os boletins de ocorrência passaram a alimentar uma base de dados unificada, em 2001, a polícia paulistana percebeu que 45% dos crimes ocorrem em apenas 2% das ruas e passou a concentrar seus homens e recursos nesses pontos críticos. Desde então, a taxa de homicídios caiu 35% na cidade. Por fim, implantar um sistema de promoções não para policiais que prendam mais gente, mas para policiais em cujas áreas de atuação as taxas de crime caiam. O sistema de recompensa por produtividade foi adotado em Nova York, na década passada, e desde então o número de reclamações feitas pela população sobre a conduta dos policiais caiu à metade.

6 - AUMENTAR A EFICÊNCIA DA JUSTIÇA

Um processo judicial no Brasil demora em média doze anos para ser concluído. Nos Estados Unidos, somente quatro meses. De cada 100 processos que entram em todos os níveis do Judiciário, apenas quarenta são julgados no mesmo ano. A demora não decorre da falta de magistrados. O país tem uma média de 7,73 juízes para cada 100.000 habitantes, média superior ao mínimo recomendado pela ONU. "Os processos demoram tanto tempo para ser concluídos e julgados que no meio do caminho as provas são perdidas, testemunhas acabam morrendo, e o criminoso sai ileso, porque os crimes prescrevem", diz o advogado René Dotti, professor de direito penal da Universidade Federal do Paraná. Parte da responsabilidade pela demora se deve a falhas na investigação policial, que, no caso de homicídios, costuma levar em média sete anos para terminar. Nos EUA, isso é feito em um ano. "O inquérito, muitas vezes malfeito, vai para o promotor de forma incompleta e este, por sua vez, fica sem informações suficientes para fazer a denúncia", explica o advogado criminalista Beno Brandão, de Curitiba. O código processual brasileiro é detalhista e permite um número excessivo de recursos protelatórios. Cada passo do processo precisa ser registrado em cartório, por exemplo.
Estima-se que os processos, no Brasil, passem 90% do tempo nos cartórios e só 10% com os juízes. Por isso, a primeira medida a ser tomada seria simplificar os procedimentos judiciais. Isso pode ser conseguido informatizando o sistema da Justiça Criminal, integrando os bancos de dados da polícia, do Ministério Público e dos fóruns. A segunda é oferecer mais subsídios tecnológicos para que a polícia consiga fazer melhor as investigações. A terceira medida pode ser inspirada no exemplo do Chile, que aprovou recentemente uma lei que obriga os juízes a pronunciar o veredicto em no máximo oito meses.

7 - COMBATER O CONSUMO DE DROGAS

A experiência mostra que reprimir o consumo é mais barato e eficiente do que gastar todas as energias no combate ao narcotráfico. Estudos internacionais indicam que, para diminuir o consumo de cocaína em 1%, é preciso investir 246 milhões de dólares na repressão à venda. O mesmo resultado, no entanto, pode ser alcançado gastando-se apenas 34 milhões de dólares na cura do vício. Há três anos, o governo americano passou a dar prioridade ao controle do usuário. A estratégia nacional contra as drogas começou a ser feita em três frentes: aplicação de programas educativos para os jovens que ainda não tiveram contato com drogas, tratamento obrigatório para quem é pego se drogando e repressão à produção e ao transporte dos entorpecentes. Em três anos, o número de usuários de drogas entre os adolescentes caiu 17%. Diz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas: "No Brasil, os delegados ainda comemoram quando apreendem 1 tonelada de maconha, enquanto as melhores polícias do mundo preferem trabalhar para reduzir o consumo".

PRISÕES COM DIGNIDADE

Qualquer estratégia que pretenda diminuir o crime no Brasil precisa incluir uma reforma completa das cadeias e penitenciárias. Os especialistas concordam que não há como diminuir os índices de criminalidade sem um sistema carcerário eficiente. No Brasil, há dois presos para cada vaga nas cadeias. Falta espaço para 136 000 condenados. Essa situação tende a se agravar, pois a previsão é que a população carcerária passe dos atuais 336 000 para 476 000 presos em 2007. A superlotação cria o ambiente propício para rebeliões, dificulta o controle das quadrilhas que comandam o crime organizado de dentro dos presídios e torna praticamente impossível a recuperação dos presos. "Um dos grandes problemas é a má qualidade e a corrupção do quadro de agentes carcerários", diz o advogado criminal Tales Castelo Branco, de São Paulo. "Se existem drogas e celulares dentro dos presídios, é porque alguém deixa entrar."
Esse tipo de problema foi enfrentado em muitos países e diferentes soluções foram encontradas. Uma delas é a formação de parcerias com a iniciativa privada. Enquanto o Estado mantém a direção dos presídios e a tutela formal dos presos, uma empresa assume a responsabilidade por serviços como alimentação, higiene, médicos, psicólogos, atividades de lazer e segurança. Isso elimina muitas das condições que podem levar os presos a corromper os agentes penitenciários. No Brasil, já existem dois presídios que seguem esse modelo. Um deles é a Penitenciária Industrial de Guarapuava, no interior do Paraná, inaugurada há seis anos, e o outro é a Penitenciária Industrial Regional de Cariri, em Juazeiro do Norte, no Ceará, inaugurada em 2001. Nenhum dos dois sofre com o problema de superlotação – cada um tem menos de 300 detentos – e nunca houve rebeliões. "As empresas terceirizadas precisam cumprir com as normas previstas no contrato, oferecendo um serviço de qualidade, e o preso retribui com o bom comportamento", diz Dilza Merly Sbrissia, diretora da penitenciária de Guarapuava. Em geral, presos bem tratados não têm motivo para se rebelar. Se não seguirem as regras, podem ser devolvidos a um presídio comum, onde viverão em celas superlotadas. Dos 240 detentos de Guarapuava, 96% estudam. Eles têm atendimento médico, psicológico, atividades de lazer e até aulas de ioga, tudo oferecido pela empresa prestadora de serviços. Diz Luiz Flavio Borges D'Urso, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo: "Dar ao preso uma situação digna abre o caminho para que ele se recupere".

Fonte: Revista Veja



Um comentário:

  1. É muito difícil os políticos brasileiros concordarem com estas sete medidas, visto que, uma grande maioria destes, são envolvidos com a corrupção e, de alguma forma, contribuem, passiva ou ativamente, com a degredação da ordem pública, da moral e da família, célula mater do ensinamento dos bons costumes.

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