domingo, 5 de novembro de 2017

Chefe de Compliance da Odebrecht diz que Brasil não chega nem perto dos países mais corruptos



Há pouco mais de um ano e meio no Brasil com a missão de eliminar a corrupção dentro da construtora Odebrecht, o advogado norte-americano Michael Munro, diretor de Compliance da empresa, tem uma visão otimista sobre o combate a desvios éticos no mundo dos negócios no país.


Diferentemente do que pensam muitos brasileiros em meio à chamada crise moral por que atravessa o país, Munro diz que o Brasil “não chega nem perto” dos países mais corruptos do mundo, vê avanços que remontam há mais de uma década e acha que Operação Lava Jato já mudou não só o ambiente empresarial, mas também a conduta individual do cidadão comum.


“Me chateia quando as pessoas criticam seus países na América Latina. Não é verdade, porque há muitos outros países onde a situação é muito mais difícil”, diz Munro, apontando como diferencial a abertura com a qual o tema é abordado na esfera pública e os investimentos do setor público e privado no combate à corrupção.


Em entrevista ao G1, o executivo também frisou que a redução da corrupção na relação entre governo e empresas não passa, necessariamente, por uma revolução moral no comportamento da população – até porque, para ele, a maioria das pessoas não é naturalmente inclinada a pedir ou pagar propinas.


Em vez disso, Munro defende aplicação das ferramentas de “compliance”, nome dado a políticas anticorrupção nas empresas. Envolvem principalmente treinamento e conscientização de líderes e equipes com foco na prevenção, transparência e controle sobre procedimentos para detectar desvios, além de duras punições internas.


Leia abaixo os principais trechos da entrevista, na qual ele também falou sobre as dificuldades que enfrentou na Odebrecht, que fechou a maior delação da Lava Jato, com 78 executivos de cúpula confessando seus crimes.


G1 - Existe uma cultura da corrupção no Brasil ou a corrupção é universal?


Michael Munro - A corrupção de diferentes países tem sido estudada de forma muito detida nos últimos 20 anos. E se consultarmos o site da organização Transparência Internacional, que tem um índice de corrupção muito acurado, veremos que o Brasil está numa posição intermediária. 


Atualmente, o Brasil está na 79ª posição, junto com China e Índia, numa lista de 176 países, ordenados dos menos para os mais corruptos (consulte aqui).


A cada ano os países mudam de posição, e o Brasil é um entre vários que melhorou. Mas entendo que é difícil para quem vive no Brasil e passou os últimos dois anos impressionado com a Lava Jato enxergar isso: o Brasil não é o país mais corrupto do mundo e não chega nem perto. Há muitos outros muito mais corruptos em toda sua cultura.


E desde a Lava Jato, eu vejo o Brasil como um exemplo, um modelo, quando falo em conferências internacionais. 


Mesmo antes disso, o Brasil fez um ótimo trabalho, há 10 anos, por exemplo, na passagem de mercadorias na alfândega dos portos. Antes disso, você não conseguia nada sem pagar propina a alguém. E o Brasil fez um trabalho fantástico em limpar isso, o que não é o caso em muitos países, onde há desafios significativos na área aduaneira.


Eu vejo o atual momento como uma evolução do Brasil e de toda a América Latina na direção que Estados Unidos e Europa Ocidental se moveram 30 anos atrás. É uma continuação. Me chateia quando as pessoas criticam seus países na América Latina. Não é verdade, porque há muitos outros países onde a situação é muito mais difícil.


G1 - E quanto ao impacto da Lava Jato? O sr. já nota diferenças?


Munro - Quando países democráticos passam pelo que o Brasil está passando, há um enorme impacto positivo na cultura. 


E estou me referindo especificamente à Lava Jato. Tenho visitado o Brasil há muito tempo, sendo bastante familiarizado. Há 15, 20 anos atrás, você pegava um táxi e quando chegava ao destino, o motorista lhe entregava um recibo em branco, para que você preenchesse um valor mais alto e pudesse obter um ressarcimento de sua empresa maior do que efetivamente pagou pelo serviço.


Hoje, eu não tenho carro em São Paulo, onde vivo há 15 meses, e nunca vi nenhum taxista me entregar uma nota em branco e que não estivesse assinada com o valor exato da corrida. Não posso dizer com precisão um dia em que isso mudou, mas desde a Lava Jato, eu tenho notado uma mudança geral na visão das pessoas. É um pequeno exemplo.


G1 - Então o sr. considera que a Lava Jato, nos últimos três anos, de fato contribuiu para mudar a prática cotidiana das pessoas?


Munro - Eu acredito que sim. Agora, tenho que ser cuidadoso com essa aposta, porque pessoas diferentes vivenciam situações diferentes, dependendo de seus vizinhos ou sua cidade. Não quero falar por todos os brasileiros, estou falando apenas pela minha experiência limitada. Mas sem dúvida, para mim, algo mudou.


As pessoas não falavam, não conversavam tanto sobre a corrupção antes da Lava Jato. Nos países mais corruptos, especialmente os 50 mais corruptos, eu lhe garanto que você não encontrará a imprensa falando sobre a corrupção, como se vê aqui e na América Latina. A corrupção sempre se opera no segredo e no escuro. Quando há transparência, quando há questionamento, é evidente que a corrupção se reduz. E claro, no Brasil e outras nações latino-americanas, tudo isso está vindo à tona.


As pessoas estão indignadas, há raiva, emoções típicas quando as pessoas descobrem algo ruim. Uso uma analogia: alguém poderia desconfiar que a esposa estivesse lhe traindo por meses e poderia até saber, mas quando ela é pega em flagrante, a coisa muda. Acho que no Brasil aconteceu algo parecido. 


A cultura já mudou de forma significativa desde a Lava Jato. E o fato de o Brasil ser uma democracia contribui muito.


Finalmente, eu acredito que a população brasileira é muito otimista, positiva e entusiasmada. E se as pessoas continuarem a ver os benefícios e o valor de eliminar a corrupção, a cultura vai se mover muito mais rapidamente que outras culturas, onde não há essa mesma paixão, onde as pessoas são muito mais introvertidas.


G1 - Quais fatores facilitariam a eliminação da corrupção?


Munro - Um dos mais importantes fatores para eliminar é esse tipo de discussão, na qual indivíduos e a imprensa têm liberdade para falar do assunto. Onde pessoas estão dispostas a se levantar e fazer declarações para tornar esses problemas públicos. Isso é muito positivo e é o que realmente faz a diferença, em relação a muitos outros países onde não há essa liberdade.


Eu estive em muitas entrevistas à imprensa desafiadoras em diferentes partes da América Latina e foram muito boas, com as pessoas fazendo as perguntas certas e difíceis, como devem. 


Então isso é o lado positivo que torna mais fácil combater a corrupção: liberdade de imprensa e veículos dispostos a investigar e falar sobre o assunto.


O segundo fator que facilita é o nível econômico do país. Países com extrema pobreza são mais difíceis no combate à corrupção, porque é algo que custa tempo, dinheiro, esforços e organização. 


Envolve capacidade financeira de colocar operações em sistemas transparentes, com análises eletrônicas dos dados.

Isso funciona melhor em países mais estáveis economicamente, que não sofrem com a pobreza extrema. Nós todos nos preocupamos com pessoas que não têm o suficiente para comer. Mas quando isso se torna o foco de 80% ou 90% de um país, não há tempo nem dinheiro para companhias e governos erguerem os controles e a estrutura de combate à corrupção.


G1 - Na Odebrecht, quais as dificuldades que o sr. tem enfrentado? Nas delações, executivos de cúpula disseram que estavam acostumados há 30 ou 40 anos a pagar propina, como uma regra do jogo. Como mudar essa mentalidade?


Munro - Em muitos sentidos, devido ao processo pelo qual passou a Odebrecht, não foi tão difícil assim. Isso é irônico porque o que fizemos foi tão ruim que tivemos que mudar os líderes. Sem a participação deles não haveria toda aquela estrutura de contabilidade bem estabelecida para pagamento de propinas.


Além disso, a delação foi um processo muito dramático, porque envolveu os membros da família Odebrecht. Claramente isso chamou a atenção de todos na empresa muito rapidamente. A partir desse momento, a transição ficou mais óbvia e clara para todos. 


Quando me candidatei a essa posição, não teria aceito se não tivesse certeza absoluta que a nova diretoria estava 100% convencida disso e que não tinha nenhuma participação em atos de corrupção.


Por outro lado, sei que a Odebrecht conseguiu a maior parte de seus contratos porque é uma ótima empresa de engenharia. Se se não fosse excelente, se seus projetos começassem a falhar, não teria crescido tanto assim.


O desafio tem sido fazer as pessoas acreditarem nisso, internamente e depois externamente. Naturalmente ainda há dúvidas sobre a possibilidade de a empresa continuar no negócio da construção. Mas a Odebrecht é uma empresa gigante e tem muitos contratos sem nenhuma corrupção.


Por isso, nós temos trabalhado muito em convencer as pessoas de que nós podemos ser bem-sucedidos sem corrupção. O percentual de contratos que foram obtidos sem suborno mostra que podemos trabalhar sem essas práticas. E uma grande parte do trabalho que eu tenho feito é demonstrar exemplos de empresas que há 20 anos também pagavam propina para obter contratos, não achavam que poderiam sobreviver no mercado sem práticas corruptas e agora fazem negócios regularmente.


G1 – Mas e fora da Odebrecht, no governo e nas estatais, as coisas mudaram? Mesmo após a delação da Odebrecht, se descobriu que políticos continuaram buscando outras grandes empresas para obter dinheiro, como a JBS.


Munro - Eu acredito que já houve uma mudança significativa nos últimos dois anos. A Petrobras, por exemplo, que é a maior empregadora do Brasil, mudou completamente. E agora temos dificuldade de pagar um café ou um almoço para um diretor. Foi de um extremo a outro. Esse é um exemplo perfeito de como as coisas mudaram. E eu tenho essa convicção absoluta de que a Petrobras não está pagando propinas ou recebendo propinas.


A Petrobras está assinando mais contratos e participando de mais licitações que qualquer outra empresa no Brasil. Como a Petrobras é uma empresa estatal, isso é um ótimo exemplo do que pode ser feito rapidamente para mudar práticas e uma cultura. O que eles fizeram foi exatamente o que a Odebrecht fez. Eles introduziram na cultura um sistema de conformidade, de compliance.


Criaram o cargo de presidente de conformidade, treinaram e educaram os funcionários, fizeram auditorias e introduziram esses sistemas que devem fazer parte de todas as empresas privadas e públicas. Isso está acontecendo também em outras empresas estatais e no BNDES e pode ser feito nas agências reguladoras, nos governos estaduais e municipais, com processos licitatórios mais transparentes, o que seria muito útil no combate à corrupção.


Pessoalmente, eu acredito que a maior parte das pessoas são boas. 


A maioria não quer pedir propina ou pagar propina, seja do governo ou do setor privado. Por isso, o sistema de compliance seria bom para qualquer governo ou empresa.


Fonte: Por Renan Ramalho, G1, Brasília

https://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/chefe-de-compliance-da-odebrecht-diz-que-brasil-nao-chega-nem-perto-dos-paises-mais-corruptos.ghtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-smart&utm_campaign=share-bar

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